O inferno das Grandes Superfícies
Nada como trazer à ribalta um dos locais onde os direitos têm sido extintos e as relações laborais têm vindo a deteriorar ano para ano, do local onde os aumentos salariais são esmolas, onde as leis são para guardar na gaveta e onde o ambiente de trabalho já é ar irrespirável. Falo das grandes superfícies, e da política interna que remete a lei e as relações laborais para o lixo.
Encontrar um sorriso
e toda a atenção, provavelmente só nos anúncios de televisão imparáveis de
promoções e cupões. É a ideia com que ficamos dos funcionários, que nos dão
fruta para cheirar, e um sorriso para agradar. Quando ficamos a saber a
realidade, cai por terra a ideia de ambiente familiar e trabalho digno. As
grandes superfícies são, definitivamente, locais onde o ambiente mais piorou
durante o período da crise. Empresas que gerem os recursos humanos de forma ineficaz,
devendo-se ao facto da política de pessoal ser regida pelo medo e pelo combate
aos direitos de trabalho, outras deve-se ao facto de inúmeros quadros de outra
empresa terem acedido a postos maiores.
As grandes superfícies já eram facto de queixa entre as
autoridades para a regulação do trabalho. O ACT, afastado por o Governo PSD/PP
de fazer fiscalizações no terreno, é testemunha do número exagerado de queixas de
trabalhadores que não aceitam a supressão dos direitos. Os abusos constantes de
chefias responsáveis de qualidade intelectual duvidosa, conseguem tornar o
local de trabalho num verdadeiro campo de batalha, direitos contra abusos. Chefes
de equipa, ou de secção, atacam os trabalhadores de forma continua, principalmente
os que mais importunos, aqueles que teimam em fazer valer os direitos do
trabalho. A ideia é deteriorar o ambiente, tornando o ambiente, mais ou menos,
chinês, aproximando as relações laborais com o modelo Chinês, baixos salários,
laivos de escravidão, e mão-de-obra rotativa.
A profissionalização do sector fica guardada na gaveta de
governo para governo, poderia virar o tabuleiro do jogo em que os trabalhadores
saem sempre derrotados. Significava o fim dos baixos salários e dos aumentos
salariais reduzidos, ou inexistentes, o Sindicato ganharia outra força negocial
perante as empresas de distribuição. Seria um desenvolvimento em matéria de
condições de trabalho, e desenvolvimento dos trabalhadores no campo da defesa
dos seus direitos. Infelizmente, esta situação triste, não será apenas culpa do
governo, mas também a nível dos trabalhadores, que são cada vez mais
prejudicados, e cada vez mais se encostam a comentários negativos, nunca
procurando, de sector em sector, de equipa a equipa, resolução rápida daquilo
que é a sua dignidade profissional. Claro que existem as meninas da caixa, ou a
das prateleiras, que vendem a dignidade em troca de um cargo ou uma
responsabilidade qualquer. Que são escolhidas tendo em conta os critérios que a
chefia acha importante, falta de carácter, hipocrisia e lealdade perante o
chefe.
As chefias, em que na sua maioria são empossadas por compadrio,
sem qualquer verificação de capacidade ou competência para exercer o cargo, são
diagnosticadas cada vez mais arbitrariedades que demonstram, e muito, a
capacidade de contornar a lei a benefício próprio. Já lá vai o tempo que seria
o trabalho o motivo de prémio. Se as chefias recebem prémios por produtividade
alheia, os quadros de gerentes e diretores, no início da crise, são premiados
por o elevado número de despedimentos que conseguem fazer, principalmente os
que esvaziam o quadro de efetivo. Em muitos desses despedimentos, a
ilegalidade, até mesmo o crime, ocorre com frequência. Velhos hábitos que são
promovidos por motivações pessoais. As chefias usam o estatuto para fazer da
empresa algo seu, decidindo conforme as suas opções ou gostos pessoais,
transformando um inferno para uns e um paraíso para outros, mas acima de tudo,
utilizando a empresa como um escudo protetor para os atos de prepotência
descabida. A realidade é que o modelo de chefia, é estar ao lado dos
trabalhadores, defender as equipas, e ser o líder do trabalho, como dizem na gíria
da distribuição – “puxar paletes”- o que
nunca acontece, na verdade, a grande maioria das chefias têm o seu local
favorito, os opens espaces com ar condicionado, não os armazéns entregues ao
calor desumano no Verão e ao frio no Inverno. O líder não existe, nas grandes superfícies
o chefe ganha a figura de carrasco.
Talvez sejam os funcionários os principais culpados do momento
que atravessam, mas isso não desculpabiliza a arbitrariedades desproporcionais que
as grandes superfícies têm a nível interno. Eu abandonei à cerca de dois anos
uma grande superfície, ainda assim continuam-me a chegar centenas de emails com
referência a abusos dentro das instalações, de ameaças, ofensas a acusações de
roubo, feitas principalmente por chefias movidas a interesses pessoais, agindo
a seu belo prazer. Talvez esteja na hora dos legisladores pararem de correr
atrás das empresas, e do trabalhador poder impor processos judiciais aos
cidadãos, que ocupam lugares de chefia, utilizado esses cargos para fazerem
ajustes com trabalhadores,. Talvez assim, quem sabe, o ar dentro daqueles
espaços fique respirável, e quem sabe, as chefias se tornem, acima de tudo,
gente.
Certo é que o período de crise sequestrou a lei favorecendo
as empresas, em detrimento dos trabalhadores, e a APED, nem os compromissos que
fez em troca da abertura aos domingos e feriados, na totalidade do horário,
cumpriu. Talvez esteja na altura do regulador tratar disso.