quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Empreendedorismo ou chico-espertice




  







  Há aí uma moda, chama-se a qualquer novo empresário, "empreendedor", e a qualquer nova empresa, "stratups", são aquelas modas efémeras em que o tempo de duração é para aí de uma década e para estas acordo e viro-me para o lado que eu durmo melhor.

  Nesse mundo existe um grande evento que se realiza, felizmente em Portugal, a Web Summit, por uma organização empresarial lucrativa, que detém um nome que ainda não consegui apurar ao certo, mas que tem registo empresarial em Dublin, República da Irlanda, e que tem como principal e central modelo de negócio o de organizar conferências, realizando um total de 25 anualmente e tendo delegações em Lisboa, Hong Kong e São Francisco.

  Esse evento a que já fui duas vezes, a pedido de uma ONGA ambiental muito conhecida e de que sou representante em Portugal, recrutou mais de 2000 voluntários de 9000 mil candidatos, e que estão ao abrigo do estatuto de voluntariado, que está muito bem definido legalmente em Portugal pela Lei 72/98 de 3 de novembro regulamentada pelo Decreto-Lei 389/99 de 30 de setembro.

 E tudo seria normal se não fosse uma valente "Chico-espertice", primeiro a começar pelo horário dos tais "voluntários", 18 horas, ou seja cada voluntário tem que trabalhar em média 9 horas durante dois dias, sim foi o que leram, nove horas seguidas durante dois dias. Segundo o pagamento, inferindo-se deste modo que não há um voluntariado mas sim uma retribuição, mas já lá iremos, este é segundo os organizadores um passe de 4 dias no valor de € 1.500, exato, eles trabalham dois dias e recebem à borla o acesso para os restantes dois dias do evento. Terceiro, estes voluntários estão a fazer o quê? Trabalho de organização e receção dos convidados, de encaminhamento e apoio geral ao evento, são resumindo "o pau para toda a obra" e são coordenados pelos trabalhadores portugueses deste evento, sendo formados por estes ou outros nem isso, para desempenhar estas funções. Quarto têm seguro e se lhes acontecer alguma coisa, a empresa com sede em Dublin pode ser responsabilizada, a resposta é simples para as duas questões: Não!!! Quinto quem paga a sua estadia e transportes para o local do evento, resposta, os tais "voluntários", a única coisa que a organização lhes oferece é a refeição, num refeitório em que o tempo de espera supera o tempo da hora para almoço a que têm direito.

  Agora vamos lá à duvida principal, retiro destas as questões de duvidosa legalidade até laboral, que é as empresas enviarem trabalhadores, que às suas custas pagam a estadia, para serem "voluntários", não lhes descontando férias e exigindo em troca um relatório sobre o que viram, ou substituírem horas de formação aos trabalhadores por acesso como "voluntário" ao evento e concentrando-me nos "voluntários" puros: qual é o estatuto legal que detém e que caso lhes aconteça a si ou a terceiros alguma coisa, por exercerem essa atividade, e que possam ativar?

  Ao abrigo da nossa lei, não há nenhum!!!

  Porque só podem ser promotoras de voluntariado, as entidades públicas e privadas sem fins lucrativos, IPSS´s, Misericórdias, Casas do Povo e ONGD´s. Para além de que estes voluntários (sem aspas por o serem a sério) têm que ter seguro e sujeitam-se a uma série de deveres, por terem uma série de direitos também muito bem definidos.

  O próprio governo criou uma brochura em que explica quais os direitos e deveres de um voluntário e tem até um portal, ligado ao Conselho Nacional Para a Promoção do Voluntariado, que explica em detalhe, quem e como poderá promover o voluntariado e ser um voluntário.

  Então estamos sob a forma de Empreendedorismo ou de uma Chico-espertice?

  É que se fosse empreendedorismo, tínhamos a contratação por uma semana (acrescento mais um dia para a formação) com pagamento por recibo verde, as horas ou dias em que estes trabalhadores subordinados trabalhariam. E nada na nossa lei o proibiria, mas teria a empresa contratante que arcar, como é obvio, com custos inerentes das refeições, seguros ou transportes (ou não podendo isso não ser incluído). A nossa lei permite essa contratação e até se chama part-time e a essa prestação a que estão ligados direitos e deveres da parte empregadora, que depreendo que é o que a empresa com sede em Dublin, Irlanda do Norte, pretende não se submeter. Lesando não só o estado português que a acolhe e lhe dá subsídios, que considero justos pois são multiplicadores de investimento, mas que o lesa em largos milhares de impostos e segurança social que não paga quando usa figuras nulas e inexistentes como esta do uso de falsos "voluntários".    

  A nossa lei é uma das mais permissivas e liberais no trabalho "à peça" ou nestas formas de trabalho que atingem uma discricionariedade e um momento curto. Portugal até tem algumas dezenas de empresas que e legalmente contratam trabalhadores para eventos, alguns muito grandes e que me conste o trabalho profissional desses trabalhadores e a sua disponibilidade e profissionalismo é inexcedível, sendo muitos destes estudantes, e que aí sim, recebem de acordo com a sua função e o seu tempo de trabalho, tendo todos os deveres e todos os direitos a que a lei e o estado português os sujeita e lhes dá.

  Não se entende por isso esta fuga velada aos impostos através de uma Chico-espertice, que é o trabalho desses "voluntários" falsos, não somos um país sem lei nem roque! E este Governo fica muito mal, quando não dá a esta organização até um acompanhamento na organização deste e doutros eventos, de modo a tornar estas funções em legais e que tenham retorno para a economia, mas que preferem fechar os olhos e deixarem estas empresas usar desta Chico-espertice, como são as promotoras não só da Web Summit como também a do Rock In Rio.

  Uma nota final aos pais e aos tais voluntários que caem nesta Chico-espertice, não há dinheiro do mundo que vos pague um acidente que tenham a caminho ou na volta para o tal evento ou num que tenham no mesmo, o mesmo se passa com a responsabilidade que possam ter se provocarem danos a terceiros por exercerem essa função sem seguro. Não há também nenhuma vantagem curricular em pôr isso num Currículo Vitae, pois juro-vos que isso nada conta ou contou, quando já fui alguém que olhei para currículos para contratar alguém. Por fim, se querem fazer contactos há milhares de bilhetes baratos e até bilhetes menos baratos mas que podemos e devemos pagar com o nosso bolso e que serão bem mais apreciados se saírem do nosso esforço e trabalho e aí sim estão a ser futuros Empreendedores e não futuros Chico-espertos.

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