sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Um espírito Académico não é o espírito da praxe


 Todos os anos por esta data o debate sobre as praxes repete-se. O assunto é motivo para debate, e ambos os lados, quer anti quer pró, abrem uma acesa discussão sobre a utilidade, o espírito e a forma com que ocorrem as praxes. É uma discussão em que todos os argumentos contam, mas uns ultrapassam os outros dentro da razão de cada lado das barricadas.
  Quando entrei para a faculdade rejeitei a praxe. Sempre me mantive firme nessa decisão. Nunca encontrei nas praxes os aparentes motivos da sua existência, apesar de concordar que a praxe integra, mas de forma menos digna para cada um dos jovens que aceita ser vitima. Todos os anos, aqui ou ali, existem vitimas das praxes, e todos os anos assistimos aos mesmos discursos condescendentes, apontando sempre que são assuntos pontuais, e as praxes não são todas iguais.
   Das comissões de praxes, órgãos que funcionam à margem do Ensino Superior, não se pode esperar algo mais que a defesa da sua actividade. Por parte da Associação de estudantes, o sentimento é de um "sequestro" por parte das comissões de praxes. Todos olham para o lado, mesmo quando as praxes, em diversos cursos assumem uma tendência cada vez mais agressiva. Mesmo assim, por parte dos defensores da "tradição", os discursos benevolentes, mesmo que cada vez mais ocos, aparecem.
   A praxe, agressiva ou não, é praxe. A integração não pode servir como motivo para a humilhação gratuita e desproporcional. As características da praxe não se fundem com a essência do que é o Ensino Superior. O livre pensamento critico, a liberdade de opinião e a igualdade entre os seres, não fazem parte do espírito da praxe, mas são características do que é o Ensino Superior. Os alunos novos, apelidados de caloiros, são nivelados por baixo, sem o direito à critica e à livre opinião, tratados de forma humilhante, quer seja uma praxe branda ou agressiva. Na forma de tratamento não existe diferenças, em qualquer praxe existe o rebaixar do caloiro.
   É no espírito de subserviência e de falta de valores da democracia que a razão tende a estar mais do lado de quem defende um aperto firme à praxes e promove a construção de alternativas. A própria sociedade civil, através do espírito critico que não está presente na praxe, já olha de forma diferente para as praxes. O que antes era olhado como uma mera brincadeira entre alunos, hoje já é alvo de criticas por parte de que observa as práticas na rua. Sinais de mudança de pensamento, talvez colhidas pela pior das razões, o caso do Meco, por exemplo.
     Os textos e a critica aumentam, o próprio Ministro que detêm a tutela do Ensino Superior já se fez ouvir quanto ao seu entendimento sobre as praxes. O objectivo da praxe, que afirmam ser a integração, está cada vez mais descredibilizado, diversas personalidades, inclusive académicas, assiram petições para que a praxe seja banida do estabelecimentos, quer dentro quer fora. A criação de alternativas começa a mudar o paradigma, apesar de ainda ténues, começam a dar frutos, o caso do IULcome no ISCTE.
    Com uma estagnação da luta por causas, os estudantes começam a entrar num vazio. As praxes vêm preencher o vazio da forma negativa, não projectando o que é ser estudante, promovendo a criação do espírito critico e de luta por ideais. Ao contrário, o espírito das praxe ajusta-se a uma forma de estar baseada na subserviência, na ausência da critica construtiva e de ideais. A integração da praxe promove a exclusão de quem não aceita a humilhação, é isso a forma de estar na praxe.
  Por mais que o debate seja adiado, e que a motivação das comissões esteja forte para continuar, a visão que hoje muitos alunos têm da praxe vai alterando o seu circulo de vida nas Universidades. Uma sociedade mais critica, pais mais esclarecidos e jovens mais virados para a procura de alternativas, vai afastando, mesmo que lentamente, as praxes do seio das faculdades. No entanto ainda existe muito trabalho pela frente. A necessidade de construção de alternativas, a pressão do poder executivo, a necessidade de apertar o cerco ao abuso, a alteração do quadro das Associações de Estudantes e a luta de quem ficou excluído, formando células e criando ligações, vão ser essenciais para o implodir das praxes.
   Espero um dia poder ter o meu filho na faculdade, com o orgulho que um pai deve ter, com uma integração dentro dos valores democráticos, sem humilhação desproporcional, onde as bases dessa integração seja a essência real do que é o Ensino Superior.




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