quarta-feira, 29 de março de 2017

Aceitar a diversidade de opiniões também é democracia

  
   Um aeroporto baptizado com o nome de um jogador de futebol é perfeitamente​ normal num país que olha para o futebol como representação à sua pátria, como símbolo da sua história, observa mais do que um desporto, vê um elemento de identidade do seu povo. A existência de um aeroporto com o nome do seu melhor jogador não é fora do comum, não fossemos nós um país que espera um D.Sebastião oriundo de uma noite de nevoeiro.O que não é comum, nem nos livros de Fernando Pessoa, é num país que possui mais de quatro décadas de democracia aceitar-se de forma natural que opiniões divergentes sejam silenciadas com a mordaça da escrita em comentários ou artigos de opinião. 
   Miguel Guedes assume que tem a razão. Para além de vocalista de uma banda e militante do BE, é adepto de futebol, e naturalmente, fã de Cristiano Ronaldo. Aproveitando o seu espaço de opinião no Jornal de Noticias, Miguel Guedes apelida de "medrosos" quem não aceita partilhar a sua opinião sobre o nome dado ao aeroporto da Madeira. Os "medrosos" de Miguel Guedes são os que não se predispõem ao endeusamento​ dos heróis que soam no campo de futebol, os verdadeiros guerreiros do relvado. Entende Miguel Guedes que devemos prestar vassalagem futebol, endeusar seres humanos que limitam as suas conquistas no seio de um campo de futebol. Dizem que em nome do país, e alguém que se atreva a dizer que em nome de valores mais altos, como os valores financeiros que cada um obtêm.
     A opinião de Miguel Guedes é uma forma natural, prática usual, de uma espécie de elite intelectual impor a sua opinião em determinado assunto, limitando a opinião contrária, não aceitando que sejam outras opiniões produzidas debate. Formato conhecido, apesar de menos selvagem,como o tradicional comentário arruaceiro das redes sociais. Não pode existir qualquer debater sobre o endeusamento dos onze magníficos, muito menos de Ronaldo, e quem se atrever a fazer, quem se atrever a achar que os feitos do futebol não são relevantes para a pátria, para a história ou para a vida normal das pessoas, está sujeito a uma avalanche de acusações desproporcionais, onde atingem acusações de inveja, de apoio a outro jogador, chegando mesmo a terminar em ameaças de violência física através de violência verbal e agressiva. Afinal não existe democracia nestes casos, existe apenas um linchamento intelectual e psicológico.
   De Miguel Guedes não esperava tamanha aberração textual, tentar limitar a opinião através do insulto generalizado não é de quem respeita o espaço alheio. É a diminuição do valor da liberdade de expressão e da dignidade do povo, ou parte, que tem direito à sua opinião. Um texto que designa os que não partilham da sua opinião uma espécie de triste povo do fado e choramingas. Povo de medrosos que teima em não aceitar que os heróis do campo devem ser devem ser abençoados e olhados com a grandeza dos marinheiros de outrora. Um sentimento patriótico que deve obrigar este povo medroso a olhar Éder como o herói de França, porque trouxe um titulo para o país. Célebre herói que não arriscou por um minuto a sua vida num feito, mas que colocou no mapa o país que sempre lá existiu, mas justificamos sempre que é por Ronaldo, por França e pelo futebol.
  Não está em causa as capacidades reconhecidas a Ronaldo pelo seu trabalho como jogador. Está em causa a teimosia de olhar para um campo de futebol e teimar obrigar todos, queiram ou não, que dentro das quatro linhas estão onze vencimentos milionários a praticar um desporto que representa o país com sucesso, e nós como colectivo somos obrigados a olhar para tais personagens como enormes, gigantescos humanos que quebram barreiras para trazer feitos a uma nação perdida. Como toda uma Diáspora lusa espalhada pelo mundo fique resumida ao silêncio dos números, e aos feitos mais ou menos reluzentes dos telejornais. O futebol tem de ser a alma deste povo medroso, que com tantos heróis, só os "Deuses" do campo devem ser olhados com o senório de grandeza.
É difícil compreender o êxtase de ataques pessoais que desafiam nas caixas de comentários das redes sociais, mas plausíveis. Afinal a digestão de ideias e o calibre de educação não são dados que o INE disponibiliza. Mas ter alguém que politicamente defende a expressão democracia, e depois atentar à liberdade de expressão recorrendo ao apelido fácil de quem não possui a mesma opinião, sem ouvir os argumentos ou ter a noção de quais sãos os motivos, é talvez mais difícil de digerir. Afinal a democracia é só quando nos dá um certo jeito. 

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