quinta-feira, 6 de abril de 2017

Violência domestica, os sinais da ausência de cultura

  A violência doméstica é um problema social grave. Uma cultura que durante décadas viveu sob a expressão "entre marido e mulher ninguém mete a colher" foi criando um monstro de proporções socais perturbadoras, onde violência se alimenta do medo e da fraqueza psicológica das vitimas. Para lá de quebrar as barreiras que a justiça insiste em manter e de um legislador que não é mais ativo no combate, ainda há que quebrar as barreiras de uma sociedade que ignora e da fraca qualidade e respostas das instituição públicas. 
    Mexer no telemóvel, abrir as redes sociais, gritar, ofender e bater, são comportamentos anormais numa relação. O pedido de desculpa à mistura de um abraço e de uma frase "não volta a acontecer" não pode ser uma banalidade. São atos de violência doméstica, do enraizamento do sentimento de propriedade. Uma relação que passa a ter um Alfa, em que um dos seus elementos deixa de existir, de ter a sua dignidade e a sua personalidade intelectual. Passa para o lugar de objeto, propriedade do cônjuge. É assim que as coisas funcionam numa relação que culmina com a violência doméstica. A vitima teima em ignorar os comportamentos do agressor. Opta por desculpar com pontualidade e ciumes, e ignorar que esses ciumes nascem de um sentimento de posse. 
   Um estalo porque estava stressado, ou berros e ofensas porque o jantar afinal até estava mau, não pode ser admitido. A banalização ativa o sentimento do agressor para estender mais o seu campo de influencia, e assim, aprova que o agressor comande a sua vida. É o primeiro passo para que o agressor influencie a vitima, relegando-a ao isolamento. 
  Perder os amigos não pode ser entendido como "o melhor para a relação". Muitas vezes são eles que sentem que a relação se está a tornar obsessiva por parte do agressor. Quando existe o alerta, a vitima opta por cortar relação com quem a alerta, preferindo minimizar os comportamentos do agressor. Nasce o primeiro passo para que o agressor isole a vitima, restando a família, mais difícil, mas não impossível de afastar.
    As agressões são escondidas, o casal comportasse naturalmente, pontualmente acresce um ou outro comportamento violento do agressor. As desculpas desgastam-se com o tempo, quem observa já não acredita na pontualidade ou em motivos circunstanciais, acredita que a violência doméstica já existe no seio do casal. 
   Nada desculpa a agressividade nem as marcas no corpo. A violência doméstica quando atinge o pico já é tarde demais. As vitimas estão dependentes financeiramente do agressor, talvez já com filhos, a nível psicológico estão premiáveis, vivem no medo e pânico de poder sair de casa sem que a sua integridade física não esteja em causa quando regressarem. Em casos extremos as vitimas ficam proibidas de ter emprego e sair de casa, vivem em cárceres privados. 
   Enquanto a vitima vai desaparecendo, o agressor tornasse proprietário da mesma. Sente que ela é sua, e só a abandona quando entende que é descartável, ou quando outra vitima é o seu objectivo. Enquanto mantêm a vitima no seu cárcere psicológico. Age como dono, limita os seus contactos, impondo o que deve ou não falar com a família e impede a vida social da vitima. Os ciumes são sempre a base das desculpas que a vitima vai dando, sendo submissa aos desejos do agressor.
   Até os ciumes têm limites. Aceitar alguém que se auto-denomina excessivamente ciumento é aceitar que esse elemento se torne agressor e dono de uma relação. O futuro dono da vitima. Os ciumes quando obsessivos são perigosos, transcendem aquilo que se entende como respeito. Tornam-se obsessivos. Desculpar as atitudes com os ciumes, em vez de apostar no controlo não é bom para a relação, nem para os seus elementos. 
   As relações não necessitam de ciumes para melhorarem, nem precisam de uma constante "apegação" entre os dois elementos. É necessário que ambos sejam proprietários da sua personalidade intelectual, e essencialmente se mantenham como dois seres de diferentes características físicas, ideológicas, psicológicas. Ambos diferentes, mas convergentes naquilo que é necessário para que a relação dê certo. Respeitar personalidades diferentes é saber respeitar a relação. 
   Uma relação não pode absorver a expressão "somos um só". Cada elemento deve saber quais são os limites da personalidade que pode impor à relação. Não significa o "resfriamento" da relação, significa a manutenção do respeito-o mutuo. É nesses limites que se devem balizar os comportamentos, sejam eles circunstanciais ou pontuais. O respeito e o amor próprio são elementos fundamentais para que os elementos da relação a mantenham firme. É necessário que mantenham a sua vida própria, a sua independência e principalmente a sua privacidade. Não pode existir decisões unilaterais "se ele não vai eu não posso ir". Deve ser respeitado o desejo de cada elemento, deixando a decisão ao mesmo. Deixar de ver a relação como um compromisso que obriga duas pessoas a comportamentos padronizados, e passar a ver a relação como uma ligação em que duas pessoas nutrem um sentimento comum. 
   A violência doméstica não pode ser banalizada pela vitima, nem dar ao agressor a ideia de impunidade. Há que agir quando aparecem os primeiros sinais. A lei tem de ser mais agressiva, os tribunais devem ser mais competentes nestes processos. O isolamento de indivíduos que se possam tornar um perigo para a vitima, e até mesmo para o envolvente, é necessário, tal como maior acompanhamento dos casos em que o agressor apresenta sinais de distúrbios psicológicos. O combate à violência domestica deve começar na sociedade, nas escolas e universidades, com a quebra do que é relações padrão e chavões que protegem comportamento que promovem certos de determinados estereótipos. 
   A violência domestica tem terminado em alguns casos na morte de dezenas de vitimas que se desprendem dos agressores. A expressão "se não és minha, não és de mais ninguém" é fruto da posse que a complacência da vitima, que o mau trabalho da justiça e a falta de força nas instituições torna possível. A violência doméstica é mais que agressões, é a destruição psicológica de um ser humano, é a limitação da vida social da vitima e obediência ao agressor. 
  Não se pode continuar a olhar para o lado e fingir que são minorias, a obrigação de cada cidadão é denunciar casos, tal como a obrigação das instituições publicas é apoiar a vitimas e travar os agressores. Fazer mais e melhor evita o fim de dezenas de vidas. 

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