domingo, 5 de novembro de 2017

Extremar posições e abortar os valores, nova condição política?

  




   





    Desde muito novo que sigo a política. Tenho alma de quem vive no seio do debate democrático e saudável, mesmo com diferentes prespectivas e ideologias. Fui habituado assim, levando a sério a expressão "a conversar é que a gente se entende".
   Mas hoje a política está diferente. Diferente na sua essência, diferente no debate, diferente na sua visão ética e na atitude de quem a vive mais ativamente. Hoje a política é vivida ao sabor dos sentimentos do grosso da opinião, de forma extrema e ofensiva.
  Sou de esquerda moderada,  conhecida como centro-esquerda. Como qualquer outro militante de esquerda, partilho um conjunto de valores universais a toda a esquerda. Entendo que os valores Universais de esquerda se sobrepõem às exigências partidárias. Não existem "esquerdas", mas sim esquerda. O que existe são as linhas políticas diferenciadas pela forma como chegamos aos objetivos.
  Hoje é difícil encontrar esses valores universais de esquerda. Sem eles torna-se impossível chegar a qualquer consenso, porque os consensos exigem aproximações e pontos comuns, e esses pontos comuns são os valores universais da esquerda, e não os valores "regionais" que cada partido coloca ao dispor dos militantes. Partidos que cada vez estão mais intransigentes com as alternativas, fecham-se há volta das direções e decisões aceites pelo seguidismo. Isolam as vozes discordantes, ou no limite exigem a prática de "purgas" silenciosas. Saneamentos aos incómodos. Direções  aprovam os novos políticos e militantes que preencham os requisitos de ausência de liberdade critica ou de pensamento, sujeitos ao "fallow the leader".
   Vivemos com isso. Deixamos de conseguir formar políticos com a
 pensamento critico e passamos a formar políticos e militantes seguidistas, sem qualquer qualidade ou mérito. Aqueles que da esquerda há direita se limitam a aceitar as palavras dos líderes partidários e não aos valores ideológicos. Deixamos de debate, apostamos no politicamente correto e na ofensa, no grito, na ausência de respostas e de duvidas. O "modos operandi" é silenciar o perigo que é as alternativas, algo que bem argumentado não nos dá resposta. Entre os gritos e as ofensas tornamos a nova classe política incapaz de produzir. Somos benevolentes há forma como se tem feito política e como se geram novos políticos. 
  Os valores Universais estão cada vez mais ausentes do debate político. Cada a política se torna vitima do facciosismo partidário, ausente da ideologia, uma espécie de luta tribal pelos desejos do eleitor. Formas que acabam por trespassar para a própria sociedade que  vive na tormenta das redes sociais. Estamos descontrolados na forma como comunicamos uns com os outros, na forma intolerante como debatemos.
    A militância política está a tornar-se mais diretiva, assumidamente clubística. Severa com a própria sociedade, nada passa pelo crivo da ofensa. Da esquerda à direita, tudo termina em "ismos" e provocações degradantes. Entre a xenofobia, racismo, fascismo, ficamos incapacitados de gerar debates e consensos capazes de criar soluções para os problemas. Em vez disso estamos sistematicamente a apostar em atirar a sociedade para dramas isolados, generalizando todos, incluindo as instituições, em nome de preceitos políticos e não reais.
  As posições estão cada vez mais extremas, o espaço de manobra mais sensato está cada vez mais curto e mais ausente da política. Os partidos (nem todos) estão cada vez mais reféns da política de valores da direção, e militantes oscilantes conforme o vento sopra. Seguidistas seguros de pessoas, e não de ideologias. Partidos sem massa crítica, sem respeito pelos diferentes pensamentos, reféns dos estatutos que servem de garrotes silenciadores.
  É necessário um debate urgente sobre a democracia. É necessário maior capacidade de senso e alternativas. Cada vez mais há que puxar os valores da democracia, da esquerda e do livre pensamento. Como democrata e de esquerda, não posso admitir que a democracia fique entregue aos valores imberbes de uma massa sem pensamento crítico nem capacidade de promover alternativas a bem da democracia.
 Queremos futuros políticos de fibra, capazes de lidar com os inúmeros problemas que se vão aglutinando, precisamos de democratas a sério, gente de coragem que seja líder numa democracia saudável. Mas o que estamos a construir é políticos órfãos de valores, de ideais, que sem requisitos vão vivendo calorosamente no seio de direções partidárias com rumos diferentes. Estamos a criar gente incapaz de liderar, gente que não resista a colocar a democracia a respirar pela máquina. Sem mérito e sem qualquer fio de coragem. E isto é o futuro e o risco para a democracia. 

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