quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

As questões do costume













 Assegurar um debate sério sobre o racismo sem que os extremos se toquem é impossível pelas regras da física política. Um moderado, com um discurso mais realista, não consegue dominar qualquer movimento que atropele o direito de opinião de terceiros em nome das excessivas, ou nenhumas, convicções da rede de militância que suga a energia com argumentos do disparatado ao impossível. 

 O que ocorreu no Bairro da Jamaica não pode ser inserido num qualquer dossier e arquivado como nada existisse. Dois momentos e muita história para lá dos quatro minutos de vídeo captado são o mote para tudo o que aconteceu a seguir. Há uma polícia que entra de cabeça quente e há cidadãos, que no fim de uma festa, acabam por estar no seio de uma confusão onde são violentamente agredidos. 

  Sem qualquer posição e baseados apenas num vídeo a bipolarização do tema incendiou as redes sociais. Se uma das posições afirma que a policia teve uma expressão do racismo, a outra, aproveitando o momento, apostou nos comentários baseados no racismo primário. Todos são responsáveis pelo clima que se impôs em seguida. Não foi difícil sentir que os argumentos foram-se alterando conforme o momento, sendo que as ofensas pessoais, ironia e desprezo são os mais visíveis entre a comunidade online.

  Como se as redes sociais não fossem um barril de pólvora nestas questões, assistimos á entrada de deputados numa luta tribal que promovida nas redes sociais, pavimentando mais caminho ao aumento da agressividade e histeria de ambos os lados, que mantêm uma espécie de fogo cruzado nas caixas de comentários. O sentimento de impunidade de qualquer racista de bolso ascende com o proveito do clima. 

 Como toda a discussão sem fundo de objectivo que não seja a punição e os ataques desproporcionais, acaba por ser apenas uma guerra de palavras, expressões e preconceitos. É óbvio que o racismo existe. Existe porque a ignorância existe, por o preconceito com o status social existe, porque existe um vergonha e um desprezo pelos mais pobres. Infelizmente os mais pobres são aqueles que a vida não proporcionou oportunidades de vida que lhes oferecesse condições para ascender nos escalões sociais. 

  O bairro da Jamaica é como tantos bairros uma zona de "conforto" para a criminalidade, que muito se aproveita das condições de vida de muitos dos seus residentes, principalmente os mais jovens que tanto sonham com melhorar a vida, e o facto de não conseguir aproxima-os de um mundo mais fácil. Infelizmente não há combate a quem corrompe comunidades para benefício próprio. Mas julgar que todos são perigosos criminosos é alterar o preconceito para o exagero radical. 

 É neste contexto de pobreza das comunidades que o classismo exacerbado acaba por entrar no campo dos preconceitos e da generalização fácil, abrindo portas a um envergonhar constante destas comunidades, generalizando como locais onde o crime e o rendimento mínimo andam de mãos dadas. O que em nada corresponde á verdade. 

  Por outro lado temos a teimosia sem qualquer convicção ideológica de que a polícia só por a sua existência é racista, que a comunidade local é racista, que as instituições são racistas e que a sociedade é racista. Discurso que acaba por favorecer a extrema direita como complemento ao discurso populista e brejeiro dos preconceitos acentuados que já possuem com as comunidades. Além de ser o caminho mais fácil e menos complicado de justificar muitas vezes o incomodo que uma ala esquerda tem com as autoridades, entendendo que o facto delas existirem só por si já é um preconceito do Estado com a sociedade, principalmente com as comunidades. O que corresponde a um discurso tão populista e fácil quanto o discurso da extrema direita. Ambos são discurso fáceis, vagos e acusatórios. 

  Os relatórios, as percepções e todo o caminho feito até agora só criou um abismo desfavorável á luta contra os preconceitos. Além disso, o trabalho de campo de integração e luta contra os preconceitos têm ficado aquém do desejado. Dizer que se tem de ajustar contas com o passado, condenando o "homem branco" pelas suas ações no passado, penalizando uma sociedade por a escravatura que não conheceu, achando que toda a sua história tem de ser alterada, visando diabolizar o passado como país é tão estúpido e tão primário quanto o racismo tribal de quem acha que "o preto deve ir para a terra dele". 

  Porque não começarmos um debate e acções para quebrar o dscurso populista? Tá na hora disso. Trazer as convicções para cima da mesa e pensar como trabalhar para melhorar o futuro de quem está cansado da pobreza cíclica. Não é as discussões de carateres nas caixas de comentários das notícias que nós vão melhorar a vida a alguém. Está na hora de sermos gente. 

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